Design como Acolhimento:

Um Estudo de Caso Sobre Como "Olhar para o Humano" Resolveu um Desafio de Comunicação Sensível

10/27/20254 min read

Introdução:

Este artigo analisa a identidade visual da 19ª Semana Acadêmica de Psicologia da SETREM, cujo tema era "Psicologia em contextos de impacto: Vidas entre ruas, cárceres e desastres". O desafio central era comunicar um tema psicologicamente complexo sem alienar o público.

A solução foi fundamentada na tese "Acolhimento vs. Fragmentação", uma abordagem de design que, ao invés de focar apenas na estética, olhou para a necessidade humana de segurança ao processar informações difíceis.

Com base nos conceitos de "Ambiente Facilitador" de Winnicott, nas leis da Psicologia da Gestalt e na Teoria da Carga Cognitiva, demonstramos como o design pode criar um "espaço seguro" que é psicologicamente acolhedor e cognitivamente eficiente, validando a mensagem de que para resolver problemas de humanos, é preciso primeiro olhar para eles.

O Desafio: A Ansiedade Diante do Caos

O ponto de partida do projeto era uma questão delicada: como convidar uma comunidade acadêmica para debater "territórios feridos" de forma que o convite gerasse atração em vez de aversão? Um tema tão denso carregava o risco de gerar uma comunicação visual sombria ou chocante, o que poderia sobrecarregar emocionalmente o público e desestimular a participação.

A validação deste desafio veio diretamente da coordenadora do curso, Prof. Luthiane:

"Minha maior preocupação foi buscar uma forma de comunicar esses 'territórios feridos' sem cair em estigmas, tabus, violência ou em um olhar pessimista, mas sim trazendo acolhimento e esperança. Precisávamos de uma comunicação que fosse firme na denúncia, mas também aberta ao diálogo."

A Solução: A Tese do "Acolhimento vs. Fragmentação"

A solução não veio de uma escolha de cores ou fontes, mas de um insight sobre a dinâmica humana: para processar o caos, precisamos de um porto seguro. A tese central foi criar uma tensão visual deliberada entre a Fragmentação dos temas e o Acolhimento da estrutura.

A identidade visual não apenas falava sobre o tema; ela simulava o próprio processo de cuidado psicológico: reconhecia a desordem, mas oferecia um espaço seguro para processá-la. Visualmente, isso se traduziu em:

  • A Fragmentação: Representada por uma estética de colagem, com imagens parciais e texturas rústicas, simbolizando a ruptura e a desordem dos contextos de impacto.

  • O Acolhimento: Materializado em um bloco de cor sólida, quente e dominante (o amarelo texturizado), onde toda a informação textual foi organizada de forma clara, limpa e serena.

A Fundamentação: Por Que o "Acolhimento Visual" Funciona?

A eficácia desta solução pode ser explicada pela intersecção de três grandes teorias psicológicas:

  1. O "Ambiente Facilitador" de Winnicott: O conceito de holding descreve como o ambiente oferece uma sustentação que protege o indivíduo e o permite existir com segurança. O design aplicou este princípio: o bloco de cor sólida funcionou como um "holding visual", um ambiente facilitador que tornou o conteúdo fragmentado e ansiogênico suportável para o espectador.

  2. A Organização Perceptiva da Gestalt: Os princípios da Gestalt explicam a mecânica por trás deste efeito. A lei da Unificação fez com que o bloco de cor fosse percebido como um todo coeso e estável. Guiada pela lei da Pregnância da Forma, a percepção do espectador naturalmente buscou refúgio na estrutura mais simples e organizada, encontrando a calma no meio da tensão visual.

  3. A Eficiência da Teoria da Carga Cognitiva: O tema do evento possuía uma altíssima Carga Cognitiva Intrínseca (dificuldade inerente). O design, ao organizar a informação de forma limpa, minimizou a Carga Cognitiva Estranha (esforço desnecessário para decodificar a mensagem). Isso liberou a capacidade mental do público para se dedicar à Carga Cognitiva Relevante: a absorção e reflexão sobre o conteúdo do evento.

O Resultado: Engajamento Através da Confiança

A abordagem estratégica se provou um sucesso, conforme expressado pela coordenadora. A identidade visual cumpriu sua função mais nobre: transcendeu a divulgação e tornou-se parte integrante da experiência formativa.

"A identidade visual que tu propôs, trabalhando uma tensão entre acolhimento e fragmentação, foi essencial e expressou de forma perfeita isso. Ela não só deu unidade ao evento, mas ajudou a criar uma atmosfera convidativa, que preparava os participantes para entrar em contato com questões difíceis de maneira respeitosa, humana e reflexiva."

"Muitos alunos e professores comentaram como a comunicação/identidade do evento os fez sentir próximos e acolhidos, e que estavam participando de algo grande e significativo. Alguns palestrantes destacaram a coerência entre estética, tema e conteúdo. Isso marcou bastante, porque mostrou que a comunicação não apenas divulgou o evento, mas também fez parte da experiência e vivências formativas, objetivos únicos quando pensamos em um evento como a Semana Acadêmica."

Conclusão: Para Resolver Problemas de Humanos, Olhe para Eles.

O sucesso da identidade visual da 19ª Semana Acadêmica de Psicologia não foi um acaso estético. Foi o resultado direto de uma metodologia que insiste que a solução para um problema humano começa com um olhar atento e empático para as pessoas que o enfrentam.

Ao diagnosticar a necessidade de um "ambiente facilitador" e traduzir esse conceito psicológico em uma estratégia visual cognitivamente eficiente, o projeto demonstrou que o design, em sua forma mais elevada, não é sobre decorar superfícies, mas sobre estruturar mensagens de forma a honrar e apoiar a maneira como as pessoas sentem e pensam. Este é o meu valor fundamental: usar o design como uma ferramenta para entender e resolver, em sua raiz, os desafios da comunicação humana.

Psi. Me. Luthiane Pisoni Godoy - Coordenadora da Faculdade de Psicologia SETREM

Fotos do Evento: Acervo Faculdade de Psicologia SETREM